Sei que são esferas que bóiam
E que meus copos de vinho dão alguma vida.
Mas por que chorar,
Se daqui já vejo a chuva,
Com meus pés nus roçando o ar,
Com meu dedos acompanhando o fado
Da minha caneta bêbada que dança?
Condeno os meu olhos por terem te visto
Por antes disso não fecharem
Por antes disso não cegarem
Interrompendo, em algum ponto, o estímulo de minhas mãos.
Não sei para quem escrevo
Se me recuso então compor para ti
E me agarro a uma alcoólica fantasia
E vibro com o tremor choroso de meus lábios.
Com a opacidade lacrimada
Castigo os meus olhos por terem registrado
Tua pele de estrelas maceradas
Teu andar de criatura encantada
Teu sorriso de felicidade
Do qual já não faço parte.
Abro-me em recusa
E peço a ti a minha abolição.
E que meu sentimento termine
Tal qual uma simples música
E que este seja enterrado
Na mais distante Escócia
Às margens de um monstruoso lago
Comigo tocando uma impossível fúnebre ópera
Numa difícil gaita-de-foles.
Acompanhe-se do pôr-do-sol
Levando consigo toda a luz
Não iluminando mais os meus dias.
Que eu, repousado na lua,
Aguarde novas luminosas horas
Ou, para passar o tempo,
Eu me agarre a uma baleia
E atravesse os oceanos.
Que testemunhe eu partos salgados
Que eu fuja do inverno com os pássaros
Que procuram sua própria primavera.
Que pelo sangue dos meus pulsos tu te esvaias
Que do alto das nuvens
Despenques de minha alma
E que de tanto eu escrever
Tu passes de dentro de mim
Para detrás das palavras.
Eu te entrego para as fadas
Cuido de meus joelhos
Recolho meu olhar caído em alguma mesa
Ao lado de um romance de Jorge Amado.
Desligo as lâmpadas
Mudo de lugar os quadros
Volto a escrever para te tirar do quarto
Tua assombração alucina meu olfato.
Estou curado, eu sei.
Nunca mais vou beber...
Angelo A. P. Nascimento
(08 de agosto de 2001)