terça-feira, 28 de abril de 2009

Mais um dia branco

Eu poderia apenas dizer que são muitos meses, mas não posso nos resumir assim. Queria encontrar as palavras certas do jantar que naquele dia fiz e não consegui expressar. Queria poder fazer com que sua intimidade entendesse o que o meu coração tanto quer falar a você a todo instante.
...
Mas minhas fraquezas humanas hoje me nublam, como os dias frios e embaçados observados pela janela, sem muita interação. As palavras que tanto me acompanham apenas me fogem pelos dedos, sem cumprir sua missão de contar aquilo que meu amor conversa, com todos os pêlos de seu corpo e com sua barriga, de forma tão ingênua e perversa.




Encontro-me bobo, mais uma vez, diante do sentimento que você me provoca, após mais de mil dias.
Encontro-me fragmentado, sob a desculpa de você vir me juntar pedaço por pedaço e me reconstruir melhor do que antes.
...
Não conecto pensamento qualquer que não seja gratidão por ter me tornado o que sou, por me fazer descobrir que dentro de mim cabe um amor, que tem as suas medidas, mas insiste em transbordar por todo o meu cotidiano.
...

Quase mil e quinhentos dias brancos.

Mais um dia branco.
Te amo.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

O nosso amor

O nosso amor constitui a louça do canto da pia
E tem o aroma dos restos de bolo com café.
O nosso amor tem a beleza de primavera de flores de papel
Carrega a juventude emoldurada
De antigas penteadeiras
Tem o sabor ferruginoso
Dos beijos de algum ontem.
O nosso amor
Me traz a embriaguez de velhas cachaças,
O vento frio,
Chuvas,
Calçadas.
O nosso amor...
Silêncio!
Vamos velá-lo.
Angelo A. P. Nascimento
(23 de julho de 2001)

domingo, 19 de abril de 2009

A amizade no vigésimo andar

Praia de Pipa (Abril de 2009)
Procurei a palavra “amizade” no dicionário e achei a seguinte definição:
amizade
s. f.
1. Afeição recíproca entre dois entes.
2. Boas relações.

Tão simples, mas tão bonita... Nunca a vi como algo mais complicado que isso.
Sempre a vi como algo implicado na felicidade de duas pessoas, sem o peso dos laços familiares, sem a urgência da paixão e sem a exclusividade própria do amor.
É tão capaz de partilha que nada nos aproxima tanto da humanidade que Deus planejou para nós.
Amizade é isso mesmo e mais do que isso, pois tem partes dela que são impossíveis de descrever. Amizades são risos, silêncios, abraços, repreendas, apoios, noites atravessadas em claro com as mais estranhas histórias...
Amizade é o congraçamento de corações. (Gosto de como defino isso)
São companheirismos prosperamente frutificados, cheios de “olho no olho” e percepções nem sempre sutis sobre o outro, mas sempre divertidíssimas. É a língua de um país de dois habitantes. E que país! Cheio de gargalhadas e confidências; cheio de exposições; cheio de cuidados trocados.
É um laço tão forte, que o dizemos como a família escolhida.
É o ouvido que nunca ensurdecerá.
Então, em que momento os amigos se perdem de nós? Em que momento desavisado tiram nosso amigo de campo? Em que momento o jogo continua desfalcado?
Há bons candidatos a novos amigos que virão dizendo que, se aconteceu isso ou aquilo, não era amizade de verdade. Eu os contrario. Até ali era, sim! Era forte o suficiente para diminuir os pesos da vida. Era alegre o suficiente para colorir faces tristes. Era humano o suficiente.
Era amizade, sim, até ali...
Mas e o depois? Que haverá depois do amigo ausente?
Ninguém nunca deveria se sentir tão sozinho.
Apenas queria dizer da minha limitação em compreender como a afeição verdadeira e recíproca se perde em meio ao caminho.
Fica somente a ocupação em sobreviver do vazio que fica.

Palavras de Drummond:

“Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.”
(A um ausente)

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Palavras que sacodem o pâncreas

Um amigo me falou sobre o blog mostrar um cara que não parece comigo. Ele me relatou fatos e fatos que me fazem bem menos introspectivo que o que ele enxerga em meio ao tudo que escrevo. Devo dizer que fui citado como mais brincalhão, mas a palavra usada foi “debochado”.
Sou debochado, sim. Sou sarcástico, piadístico (sem graça, mas vou em frente) e rio com as mínimas coisas. Gosto de piadas de pontinhos, de pintos que explodem e de humor negro. Curto demais trocadilhos infames, histórias de Seu Lunga, Casseta e Planeta, últimos mico-leões dourados, terças, quartas, quintas e sextas insanas, além de imitar os outros por seus traços mais marcantes e estranhos (devo ter imitado você em algum momento).
Mas não sei como escrever isso tudo aqui. Minhas “sacadas” não consigo fazer sozinho, pois preciso de diálogo para me aproveitar dos dizeres do outro. E agora? Como transportar esse outro eu para cá?
Já pensei em criar um outro blog de besteiras, onde tudo poderia ser perguntado e eu poderia responder todas as dúvidas com minha insólita mente criativa, das maneiras mais absurdas. Algo como meu amigo Madson queria para mim (ele diz que quando me perguntam algo, na hora em que vou responder, ele tem a impressão que luzes se abrem sobre mim e começa o meu show) estilo “Pergunte ao Tio Pote”! Acho que essa seria uma alternativa viável. Que você diz, Madson? Acho que essa seria uma opção até mesmo divertida.
Mas, como no fundo de meu pâncreas habita este outro Angelo, fica aqui delimitado seu espaço, continuando ele a escrever suas histórias recentes e passadas. E por falar em escrever, outro post, de outro amigo, citou sobre o dom de escrever versos. Acredito que cada pessoa tem seu meio de se conectar com o mundo. Se acaso organizo as palavras em versos, tenho amigos que o fazem com muito mais facilidade em suas crônicas; outros apenas satirizam sem qualquer preocupação vocabular.
Gostaria de poder escrever textos, como você, Lyrynho, mas tudo só me vem em versos na maioria das vezes. Apesar de não se trocar de dom, sei que um dia vou viver de prosa, ou ser todo prosa ou quem sabe melhor viva de verso e prosa.
O futuro dirá.
Por ora, vou apenas continuar a vidinha sem me torturar e quebrar a cabeça tentando me adequar às novas regras da língua portuguesa.
Que todos encontrem a sua maneira de externar palavras que lhe sacudam o pâncreas.
Bom resto de semana a todos.

Visita


Bate na porta:
Um som seco,
Um estalido.
Quem viria visitar a mim,
Um menino tão sozinho?
Entra, pois não me levanto,
Estou aqui a ver o fogo crepitando,
Venha a minha frente
Que para trás não olho,
Mas antes fecha a porta,
Sem ranger, por bondade.
Aproveita e fecha os ferrolhos.
Ah! É você, saudade?!
Senta aqui,
Bebe um trago
Quer fogo?
Deixa eu acender o cigarro.
Sobre o que vamos falar?
Não, sobre isso!
Não insista!
Droga!
Disso eu não queria lembrar...
Angelo A. P. Nascimento
(2 de maio de 2000)

domingo, 12 de abril de 2009

Meu aniversário

Ontem foi o meu aniversário, mas não pude postar nada pois estava viajando. Para não passar em branco, coloco aqui uma poesia de Vinícius de Moraes, o poetinha, cuja obra admiro tanto.

Soneto de aniversário

Passem-se dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.
Faça-se a carne mais envilecida
Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.
Queira-se antes ventura que aventura
À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.
E eu te direi: amiga minha, esquece...
Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece.
(Rio, 1942)

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Lista de Páscoa

Escolha um ciclo para romper
Escolha algo novo para fazer
Descarte uma lembrança ruim
Perdoe-se por algo que você nunca conseguiu se perdoar
Renove suas forças
Redescubra sua fé
Não vá tão longe em busca de um milagre
Dê-se conta que você é o seu próprio milagre
Abrace alguém que precise de amor
Beije seus pais
Sorria para alguém desconhecido
Exercite a sua compreensão
Compre pelo menos uma flor e dê a alguém despretensiosamente
Perceba os desenhos que as nuvens montam
Brinque com seu filho
Admita que você também precisa de colo
Vá até um lugar calmo
Faça de dentro de si um lugar calmo
Aceite pelo menos uma coisa que antes era inaceitável
Entrelace os dedos das mãos e faça uma pequena oração de agradecimento
Busque, com todo o coração, sentir-se vivo
Não se culpe por comer tantos chocolates
Reúna amigos e família
Cante uma música sozinho
Não se preocupe com o passar dos anos
Veja que eles passam para todos
Despeça-se da nostalgia
Abra os braços para o novo
E acredite firmemente que a vida é cheia de possibilidades.

Feliz Páscoa!

Angelo A. P. Nascimento

terça-feira, 7 de abril de 2009

Hoje, quando te escutei

Hoje,
Quando te escutei,
Achei mais vivas todas as cores
E alguém em algum lugar sorriu.

Hoje,
Quando te escutei,
Chegou a paz em alguma guerra,
Alguma criança não morreu
E acho até que fiquei feliz.

Tenho certeza que aqueles
Que tanto se procuraram
Até que enfim se encontraram;
Uma pessoa sentiu-se amada;
Alguém disse que bem viveu;
Um filho voltou pra casa;
meu vizinho cantarolava.

Lá no fundo, eu parei,
Me emocionei,
Hoje,
Quando te escutei.

Angelo A. P. Nascimento
(02 de agosto de 2001)

domingo, 5 de abril de 2009

Resumo do Caminho

Encontro de ex-alunos do segundo grau
Amigos queridos guardados no fundo do pâncreas "Eu tenho fé no amanhã
No renovar-se do sol e do ser
Na possibilidade de crescer
Em poder fazer mais que viver
Que não dá para andar sem sofrer
Que um dia sem querer
E mesmo sem perceber
Formaremos um imenso clã."
Angelo A. P. Nascimento
1996
Nunca imaginei que colocaria essa poesia que escrevi no segundo grau como post de uma foto de reencontro de velhos amigos.
Quando a escrevi estava entre eles, então posso dizer que eles me inspiraram essa crença.
Nós mudamos, nós demos certo.
Beijo no coração de cada um de vocês.
Boa semana a todos.

Pedaço de vida

Estrutura antiga do Açude Gargalheiras (Acari-RN) - 2008
Ele passou um bom tempo correndo atrás de si, como se um pedaço da sua vida se esgarçasse, caso não conseguisse sabê-lo de todo. Percorreu a casa toda inundado da esperança de que, por sua displicência, tivesse deixado coisas importantes para trás e que podia pegá-las novamente. Ao chegar em seu quarto, percebeu que suas infâncias dormiam ali, naquelas paredes, com desenhos de gizes de cera cobertos de demãos de tintas, que acompanharam o seu crescer. Fechou os olhos e por um momento tudo se refez, com o cheiro dos lençóis desgastados, dos almoços, dos seus cachorros que já haviam partido, do vestido de sua mãe tocando o seu rosto quando chegava da escola. Podia jurar escutar os gritos de seus irmãos quando pequenos.
E foi ali, dando-se conta da irreversibilidade de suas seguranças que ele chorou baixo, esboçando a impressão que cada parede daquele lugar o aninhava de todas as dores do mundo, diluindo suas temerosidades.
A tarde caiu então silenciosa, respeitando toda a desorientação dele e, pela janela, dava para ver que a vida não acabava em meio àquela náusea. Havia mais dias e mais lutas. Não sabia falar de suas vitórias e derrotas, portanto comungou com os silêncios vizinhos e, pé ante pé, apenas seguiu em direção ao próximo lugar, mesmo sem sabê-lo qual seria.
Na porta da casa, voltou-se para trás e fechou-a acariciando a maçaneta meio velha. Verificou o piso embaixo de seus pés e concluiu que aquela cor surrada o confortava. Andou pela lateral da edificação com as mãos rentes, deslizando na superfície áspera e esta foi a única sinestesia recuperada legitimamente.
Assim, com o vermelho da tarde em seus olhos, ele partiu.

Vida encharcada









Hoje o amor me embriaga,

Tal qual porre de vinho,

Tal qual vida encharcada...



Angelo A. P. Nascimento
Agosto de 2002
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