sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Meus dedos em seus cabelos

Todos os dias, parece que um uma parte de nós se perde no meio de tudo. Passamos horas andando e nos reconstruindo, nos desviando do ruim, do insucesso, do improvável. 
O tarde demais, a luta que não para e todos os sonhos que amortecem e impulsionam as dores de hoje são traços dos dedos do tempo que acariciam nossa face e que marcam o nosso rosto. Flutuamos e esperamos alguém que nos puxe, que nos presenteie com realidades com as quais não precisaremos mais divagar e sonhar.
As partes que deixamos para trás, os problemas que nos amputam aquele dedo a mais de tranquilidade, tudo dói de maneira miseravelmente humana. Ora, se não somos obrigados a lembrar de nossa natureza!
E olhando a parcela de amor que já nos coube, insistimos em não nos ocupar em pensar que ainda virá mais. Apenas pegamo-nos sempre em qualquer varanda ou janela, lamentando o beijo que não foi dado, a viagem que não foi feita, o projeto que deu errado, a pessoa que não veio, o ridículo que nos prestamos, o estudo ao qual não nos dedicamos.
Torturas vêm em forma de interrogações que se debatem dentro da caixa torácica, dentro das apertadas câmaras cardíacas. O que fazer com tanto sentimento que se desvela? Qual o destino da raiva, da decepção, do fracasso, da saudade, da emergência da paixão que lateja e lancina?
E o dia continua com seu som de teclas de piano sincronizado com nossos passos. Se paramos, silêncio... Se andamos, suspense! Nada, nada senão a expectativa gira ao nosso redor, nos tomando o simples prazer do agora. E, por conta de obra qualquer, de repente viramos o rosto e vemos abraços de remetentes certos e sorrisos que carregam em si o conforto de colchões de nossa infância, com cheiro de mãe, pai e gosto de doces de avós, que se confundem com o barulho de irmãos que atravessam as vidraças que levantamos por todos os anos que nos foram dados. Desejamos tão somente, capturar a sensação tátil do rápido carinho de quem nos foi querido, como se nossos cabelos emaranhados de inocências pudessem impedir que tudo novamente se fosse e voltemos apenas a sermos quem hoje somos, pesados de responsabilidades.
E, polindo os nossos olhos, o sono da noite que chega prepara as nossas vistas, para que sempre, amanhã, possamos enxergar um pouco melhor. 
           A vida parece não ser feliz, em uma boa parte do tempo que olhamos para ela. Mas, de perto, catamos esses pequenos fragmentos de felicidade.
          Parece que nos enganamos... Toda tristeza passa.

                                                                         [Meus dedos em seus cabelos]


Angelo A. P. Nascimento

domingo, 22 de agosto de 2010

Daqui, do alto

Praia de Pipa, 30 de julho de 2010
Apregoe as suas palavras soltas
Enquanto me esgoto pelas mãos
Em cores e dígitos
Em teclas
Em telas.

Abrem-se janelas
Que emolduram meu rosto
Que observa toda a terra.

Em meus olhos, o reflexo
Do dia que cai e levanta
As pessoas que lá embaixo passam
E que, sem saber,
Do meu sangue se banham.

Angelo A. P. Nascimento

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A função das janelas


Embora não se diga,
Eu tentei te esquecer
Falei com quem podia
E me calei para tantas outras pessoas
Que jamais entenderiam
Esse alçapão de bem querer mal quisto.

Experimentei todas as formas
De não lembrar
Escrevi cartas que você nunca irá ler
Mudei de casa
Dormi com pessoas
Que nunca quis que estivessem lá
E chorei tão baixo
Para que você não me escutasse.

Acerca de mim,
Descasquei a fina camada da espera das horas,
Fiz uma fogueira com todas as palavras
Que pudessem lhe dar alguma indulgência
E continuei vivo
Às custas do calor dela.

Ainda que não se saiba
É o amor que nunca foi embora
Enferrujando sobre o parapeito
Com todas as músicas
Que tocam lá fora de mim.

Espero impacientemente
O fim dessa dor que se exaspera
Já que por todos os lados
Existem pequenas e grandes janelas
E não há um só dia
Que eu não jogue
Toda a nossa impossível vida
Delas.

Ah, se não fossem as janelas...




Angelo A. P. Nascimento
(Esqueci a data: joguei pela janela)

domingo, 15 de agosto de 2010

As revoltas de meu corpo

O meu corpo possui revoltas
Dessas que não dá para segurar.
Possui tantas arranhões,
Tantas lacerações
Provenientes apenas de escutar seu nome.

Meu corpo se ergue doído e transparente
Cheio de vazios que não se esgotam
E que sugam tudo ao redor.

Meu corpo
Perdeu a boca
E escondeu as palavras
E apenas flutua,
Deriva.

Quero riscar as agonias do meu corpo,
Tragam minhas canetas...

Angelo A. P. Nascimento

Maré Alta




Maré alta
Bate a sua falta
A lua carrega sua luz estampada
E o que as estrelas sorriem não é para mim
Você não me diz nada
Quem eloquentemente se desvela é a sua falta.

Maré alta,
A onda avança sobre seu reflexo
E de repente sou eu quem quebra
Nas suas ausências: as pedras.

Daqui, da janela,
Percebo a areia,
Seus beijos,
Seu cheiro,
Meu coração que mareia

Abro os braços,
O horizonte some,
O oceano me toma como parte
E então você cabe
Em um só embaraço.

Laço nada desfeito,
Apenas intervalos,
É dia,
É noite,
Qualquer, de tempo, espaço.

Maré alta:
É isso que você me causa.

Angelo A. P. Nascimento
12 de abril de 2000
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