domingo, 30 de maio de 2010

Túmulo


Um dia,
Mais um dia
Deitado em minha cama.
A única coisa que registro
É o longa-metragem do forro do teto:
Branco,
Áspero,
Imutável.
Imutável como as angústias
Que encontraram o tão esperado refúgio em mim,
Mantenedoras da inércia
De um estado de tormento gélido,
Atemporal,
Adimensional,
Afônico.

(Um ponto preto singra
A paisagem de antes quieta,
Fazendo-me distrair
Dos sentimentos que me flagelam:
Uma formiga!
Será que a intrusa de meu filme
Se pergunta pelo sentido de sua vida?)

Em dias como esse,
Promovo uma conversa íntima
Com minha musculatura.
Falo principalmente sobre obediência.
Mesmo que em vão, no início,
Um hora ela cede
E saio da cama
Dando movimento ao que meus olhos gravam em espanto.
Novas luzes,
Novos personagens...
Mas é bem sabido o que me paralisa:
Sua ausência hedionda
Que me presenteia com cicatrizes fundas
E disponibiliza o meu corpo em tantos pedaços,
Frágil...

Não suporto mais
Essa apropriação indevida,
Essa habitação abstrata e ausente
Que você usufrui de minha carne.

E depois de tantas viagens mentais,
Volto a minha cama,
Meu túmulo diário,
Minha clausura,
Onde espero um dia
Que venhas em mácula ao meu corpo,
Pois assim estou,
Sem você,
Morto!
O que me confunde
É que paradoxalmente
Eu moro em um silencioso cemitério,
É o meu corpo que descansa,
Mas é você que todas as noites vem,
Me escarnece
E me assombra...

(Angelo A. P. Nascimento - 05 de junho de 2000)

4 comentários:

Jeferson Cardoso disse...

O texto é incrível; é lúgubre. É pesado ler algo assim, deixa um ar desesperançado, que se agarra na gente do início ao fim da leitura. Um amor morto é um amor triste, padece o coração que carrega tal sentimento. E o texto é do tipo que mais motiva a dar conselho, que parabenizar, porém, eu não darei conselho, pois sequer sei se é real ou fictício, então, limitar-me-ei a dar os parabéns pela fantástica e melancólica construção.

Abraço do Jefhcardoso do http://jefhcardoso.blogspot.com

Tamara Queiroz disse...

Fez-me lembrar que em sânscrito, a posição que dormimos é denominada "shavásana"; shava significa morto. Mais ainda, há uma frase que traduzida diz: o homem sem a mulher é um cadáver.

Unknown disse...

Dez anos depois, já descobriu o que era a formiga?
o intruso no teu filme?

Ricardo Cambraia disse...

e quando vamos escrever um livro para publicar toda essa linda poesia? e saiba que a inveja se apoderou de mim ... Toda a poesia é linda, mas se supera nas primeira e quarta estrofes e com os últimos versos. e este tormento que te consome nessas noites mal dormidas: o amor em pesadelo? eu que tenho uns flashbacks e dias desses associei pesadelo à felicidade e pensei que um breve momento desta vinha quando se acordava, porque se saía daquele...mais uma verdade impensada: e me assustei quando li tudo isso, em pensar tamanha bobagem, em ter sido tão superficial. esses meus pesadelos: castelos de areia e os teus verdadeiras catedrais de concreto armado, em forma de torpor e angústia ao abrir os olhos e saber que se continuará durante o dia e se repete a cada noite. aprisionado tu estás...poxa! que construção foi essa na primeira estrofe[ desculpe não quero dar uma de crítico ], mas está tão perfeita e tão real que não me contive! abraço e de vez em quando apareço por aqui, porque me alimenta um pouco a alma. Obrigado!

Related Posts with Thumbnails