Eu sou a alegria que se encerra,
Sou a mensagem singela
Em um guardanapo amassado na carteira.
Sou a briga e a sequela,
Sou o ciúme, a revolta e a espera.
Sou a esperança abandonada,
A palavra que ficou entalada,
A atitude sufocada.
Sou o choro, o grito e a mágoa,
Sou o breque e o incentivo,
Sou a omissão e o compromisso,
Sou o amor corrompido,
Sou a sombra pela casa.
Sou parte e sou nada,
Sou a sensação dilacerada,
Sou o herói vencido,
Sou a umidade e a neblina,
Sou o barulho na janela,
Sou a perturbação e a calma.
Sou o sofá e o cinzeiro,
Sou o livro na estante,
Sou o nome sem palavra,
Sou a música, sou seus pés,
Sou a dança descoordenada.
Sou a agonia que lancina,
Sou a dúvida assassina,
Sou a fé que inspira os reinícios.
Sou a mancha roxa no corpo,
Sou o filme no finalzinho,
Sou a mordida e o gemido,
Sou um chorinho tímido,
Sou o escândalo de graça.
Sou a incompreensão e o incompreendido,
Sou o homem e o menino,
Sou o sentimento desvanecido,
Sou borboleta na vidraça.
Sou a oração desvirgulada,
Sou o sonho interrompido,
Sou o jantar de velas apagadas.
Sou a lágrima escorrida,
Sou o último olhar,
Sou a reação não tida,
A mentira e a desgraça,
O desespero e a covardia.
Sou o surto e a lucidez,
Sou a mácula e a chaga exposta,
Sou paralítico e apressado,
Sou um coração sem as válvulas.
Sou a prisão, detento, feitor e carrasco,
Sou o enjôo dos bêbados de sábado,
Sou as lamentações das missas de domingo.
Eu sou a rede que volta do mar vazia,
Sou o filho esquecido no pátio,
Sou o problema e a maestria
Dos passos mais complicados.
Sou a guerra, sou a fome,
Sou o que vem depois de uma hecatombe.
Sou cegonhas de papel,
Sou a gravidez distante,
Sou transeunte de rodoviária,
Sou a convulsão, o espasmo e a saliva,
Sou o orgulho, o rancor e o veneno que mata,
Sou a promessa e a praga,
Sou palpável ectoplasma,
Sou a placa de trânsito quebrada,
Sou a bola errada,
Sou a decepção e a traição,
Sou as pernas encolhidas e banhadas de lágrimas.
...Mas se eu fosse um passarinho,
Eu voava para bem longe daqui.
Angelo A. P. Nascimento
(2004)
8 comentários:
Clap clap clap! Muito bom mesmo! :)
Sou um trem desgovernada cheio de almas penadas.
Cara, orbigado pela visita e pelas palavras. faz tempo que não lemos nossos blogs, digo o meu por ti e o teu por mim. Falta-me tempo... a tese me consome. um abraço.
Absurda e dolorosamente lindo.
Menino, que és tu? Que palavras são essas? Que sou eu?
Parabéns. Obrigado.
Belo domingo de vôos.
(:
extremista por demais, porém lindo.
Angelo,
Postei um comentário, mas não achei aqui, de qualquer forma, eu adorei.
Bjs
Que peosia perfeita amigo... Amei...
Abração...
"Sou as pernas encolhidas e banhadas de lágrimas."
Ótimo poema! Uma linguagem que me agrada ler e muito parecida com a que uso na escrita.
O ser tanto e tantas coisas, às vezes, pesa, mas pode alçar voo tão leve quanto um pássaro.
Abraço!
Postar um comentário